Cheganças na Bahia

Rosildo Rosário, articulador da Rede de Cheganças da Bahia

“Ser um patrimônio imaterial é perpetuar aprendizados”

Por: Scheilla Gumes, jornalista

As Cheganças, Marujadas e Lutas entre Mouros e Cristãos da Bahia comemoram dois anos da sua inscrição no Livro de Registro Especial das Expressões Lúdicas e Artísticas do Estado da Bahia. Significa o reconhecimento, por parte do Estado, desse bem como Patrimônio Cultural Imaterial da Bahia. Estamos em 2021. Ano marcado pelas consequências da Pandemia da Covid-19 que assola o mundo desde 2020. Nesse contexto de dor, muito tem se percebido sobre o sentido da existência. E uma das conexões importantes que nos permite viver e sobreviver a tempos tão nebulosos é a da identidade cultural. Uma poderosa interface para atuar no cotidiano, no caso aqui, sem ceder aos movimentos contrários à vida. Pois, por isso, nesse momento, essa é uma razão que se sobrepõe a tantas outras possíveis, para esperançar, como sugere Paulo Freire “⁠É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…” O título de Patrimônio Imaterial expressa o reconhecimento do mérito do bem cultural como referência para o Estado da Bahia por sua singularidade, continuidade histórica, relevância para a memória e identidade cultural baiana, graças à capacidade dos seus detentores de esperançar. Esses grupos dão continuidade à sua caminhada que perpassa gerações, buscando as ferramentas necessárias para gerir seus processos com segurança e autonomia. Não perderam o bonde da história. Se reinventam para continuarem cada vez mais presentes. Para celebrar os dois anos do reconhecimento, os 20 grupos de Cheganças, Marujadas e Lutas entre Mouros e Cristãos ativos na Bahia, compartilham suas histórias e memórias com a sociedade por meio da abertura do processo de institucionalização da Rede, o lançamento do Portal [chegancasdabahia.org.br], o livro, as apresentações regulares dos grupos com o envolvimento das crianças e dos adolescentes, a presença nas mídias sociais. Tantas conquistas resultam de uma grande movimentação, iniciada em Saubara, em 2013. Muitos são os envolvidos, cuja voz se expressa na liderança articuladora de Rosildo Rosário, mestre do Grupo Chegança dos Marujos Fragata Brasileira e atual coordenador da Rede de Cheganças, Marujadas e Lutas entre Mouros e Cristãos da Bahia. Ele herdou o dom e o compromisso de fazer essa história perdurar e, a seguir, nos conta, em entrevista concedida por e-mail, um pouco mais sobre esse momento e a importância dessa movimentação para o desenvolvimento das localidades onde atuam esses grupos culturais.

Como teve início essa movimentação que resulta no registro da manifestação como patrimônio?

Na realização do I Encontro de Cheganças da Bahia, reunimos em Saubara Mestras, Mestres, lideranças e pessoas sensíveis ao tema. Em uma reunião, ficou decidido que encaminharíamos para o IPAC a solicitação para o registro. Acreditamos que era possível e fomos em frente.

Quem é a Rede de Cheganças da Bahia? Como se constitui e como se organiza?

Rede de Cheganças, Marujadas e Lutas entre Mouros e Cristãos da Bahia é um coletivo constituído pelos 20 grupos dessas manifestações que foram catalogados durante o processo de reconhecimento. Tem um núcleo executivo, formado por 8 (oito) das lideranças dos grupos. Esse núcleo, desdobra-se em coordenação executiva e conselho fiscal. Esse é o grupo que se reúne regularmente para operar as agendas definidas no coletivo da Rede.

Após 2 anos do registro, como você percebe o movimento das cheganças da Bahia? Quais os principais avanços e desafios?

Já são dois anos de reconhecimento e notamos um amadurecimento das pessoas que estão envolvidas com o registro. Noto também que há uma extrema necessidade de constante formação e informação para que cada vez mais tenhamos pessoas engajadas.

Qual a importância do Portal e do Livro para o Movimento desse grupo/manifestação cultural que vem da tradição oral?

Esses dois instrumentos vêm para incrementar as ações de salvaguarda. O site dará um alcance bastante interessante para esses grupos, talvez consigamos alcançar um público mais amplo. O livro poderá alcançar mais os participantes dos grupos por ser um recurso mais intimista. Nesse momento em que tecnologias online têm sido visitadas por um volume maior de pessoas, precisamos usá-las ao nosso favor e fazer com que nossas vozes sejam ecoadas.

O que significa ser patrimônio imaterial?

É o sentimento à flor da pele. É quando somos mais sensíveis e conseguimos sentir as mais profundas sensações de felicidade com aquilo que produzimos. Ser um patrimônio imaterial é perpetuar aprendizados.

Muitos falam em Plano de Salvaguarda. De que se trata e qual a importância desse documento para a manifestação?

Num processo político como é o reconhecimento de um bem por parte do Estado, é importante produzir documentos que garantam ou que pelo menos estipulem metas para que todos os envolvidos se comprometam com a continuidade das manifestações. Tenho a impressão de que é um documento que vale mais para o Estado do que para os grupos. Pois os grupos, as pessoas estão desde sempre cumprindo suas responsabilidades com as manifestações. Tanto é que elas persistem ao tempo, por algumas gerações.

Você como cheganceiro, professor e gestor cultural como percebe a importância da cultura para o desenvolvimento social?

Não tem como dissociar homem e cultura. É através da cultura que nos colocamos na sociedade, é através da cultura que nos desenvolvemos. E cultura aqui no sentido mais amplo, sendo as manifestações culturais como uma importante vertente da produção cultural. As manifestações assumem o papel de construtor de identidade onde elas estão presentes. E, assim sendo, contribuem para que a sociedade seja mais bela, mais reflexiva, tolerante, seja mais resistente.

Após o lançamento do Portal e do livro, quais os próximos passos previstos para 2021 e depois?

Continuaremos na tentativa da realização do encontro estadual, buscaremos revitalizar grupos por hora adormecidos, tentaremos uma articulação mais ampla para um reconhecimento nacional. Perseguiremos as metas que facilitem o aprendizado de crianças e adolescentes.

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